Vou-te contar um segredo. É mais uma confissão, daquelas que não se fazem, ou pelo menos eu não devia fazer. Eu estou bem. Sim, a verdade é que eu estou bem! Pensei que não iria aguentar quando a tua conversa não fosse a minha, quando a tua piada não fosse do que eu me ria, quando não fosse lá quase só para estar contigo, quando não pudesse mais ligar-te no fim do jantar embalada no anoitecer na varanda com o meu cigarro, quando o desabafo que ouves não fosse o meu, quando a tua viagem não fosse a minha também. Hoje o teu sorriso é o teu sorriso e não o meu. Hoje as tuas mãos firmes são só as tuas mãos firmes e não as minhas. E hoje eu estou bem. Não vou dizer que não percebi a tua gargalhada forçada numa tentativa de me dizeres que estás bem também porque percebi. Como não vou dizer que não percebeste do meu desconforto disfarçado porque percebeste.

O pior de tudo é que dói lembrar. Dói lembrar da estupidez do motivo do silêncio, dói lembrar de todos os planos que antes eram certos e hoje estão pendentes. E não dói menos lembrar do que éramos e do que hoje queremos tentar ser. Nós não somos desconhecidos e tu sabes isso e eu sei isso. Mas também sabemos que nunca tive jeito para amar, que nunca fui uma pessoa de conversas sérias, e muito menos uma pessoa fácil de orgulho. Mas nós funcionavamos mais que bem assim. E se eu errei, tu erraste a seguir e nem tiveste conta disso. Não cobro nem julgo nada. Porque eu hoje estou bem, até tu voltares eu fico bem. Vou continuar a lutar como uma guerreira, nem que seja sozinha! E, ainda com mais determinação, vou continuar o meu caminho debaixo das luzes da cidade como se não fosse nada comigo. E vou ficar bem até ao dia que voltares. E aí não voltaremos ao que eramos, mas seremos melhores, apartir do dia que voltares. Até lá já disse que fico bem? Sim, já disse. Mas era só para não restarem dúvidas.